Vamos Falar Sobre... | Trabalhar com Livros
Quando estava na Feira do Livro de Lisboa, houve uma «freguesa» que nos disse que devia ser muito bom poder trabalhar com livros. Esta afirmação deu-me vontade de partilhar convosco a minha experiência pessoal e expressar o que me vai na alma. Por isso, hoje decidi falar-vos um pouco de como é trabalhar com livros, com base no meu percurso nas mais variadas vertentes do trabalho do livro. Pode tornar-se num post bastante extenso e, portanto, agradeço desde já a todos aqueles que o lerem até ao fim :)
Como tudo começou
O meu primeiro contacto com os livros a nível laboral deu-se numa livraria. Não foi o meu primeiro trabalho, mas considero que foi o meu primeiro trabalho «a sério». Numa altura em que já estava há alguns meses em casa (e a bater com a cabeça nas paredes por causa disso), apareceu a oportunidade de trabalhar numa grande cadeia de livrarias. Foi como um sonho tornado realidade. A equipa onde me inseri foi abrir uma nova livraria e teve que passar por várias fases na montagem da mesma, junta - uma experiência que serviu para nos conhecermos antes de começarmos a trabalhar todos juntos e que poucas pessoas terão oportunidade de viver.
Os primeiros tempos de livraria foram brutais. Brutais no bom sentido. As relações entre as pessoas eram óptimas, lidávamos bem com todos os problemas, o nosso gerente era excelente e ajudava-nos em tudo o que fosse preciso. Tínhamos sempre as costas quentes, por assim dizer. Tínhamos inúmeras tarefas pelas quais éramos responsáveis, com prazos para cumprir - trazer sentido de responsabilidade e de dever a pessoas com 19/20 anos ou pouco mais é óptimo para os preparar para o futuro e para a realidade laboral. Mas, ao mesmo tempo, é brutal. Brutal no mau sentido. Começam as noites mal dormidas porque estamos constantemente a pensar que temos X tarefas importantíssimas para completar no dia seguinte e que nos esquecemos de fazer mais N coisas que tinham que ficar feitas e não ficaram, nem no nosso turno, nem no seguinte. Começam as insónias, o mau humor, o cansaço físico e psicológico...
Vantagens e desvantagens
Hoje, quase quatro anos após ter abandonado a livraria, e apesar de ter tido inúmeros problemas no final desta jornada, consigo encarar com enorme positivismo a experiência que vivi.
Esta foi a maior escola que tive - escola profissional e escola da vida. Foi onde aprendi a trabalhar, a lidar com situações de stress, a lidar com o público, a trabalhar em backoffice. Foi onde aprendi praticamente tudo o que sei fazer. Os três anos de livraria fizeram de mim a profissional e a pessoa que sou hoje.
O conhecimento que nos é transmitido pelos livros, pelos clientes, pelo simples facto de estarmos entre livros é inigualável. Conhecemos pessoas espectaculares, pessoas a quem nos dá gosto recomendar livros e conhecer os seus hábitos de leitura de A a Z. Sim, também conhecemos pessoas intragáveis. Essa foi a gota de água para mim. Quando uma pessoa já está fragilizada por algum motivo, ao fim de alguns anos a lidar com o público e com situações menos boas no trabalho ou na própria empresa, as pessoas podem, definitivamente, ser aquilo que mais nos afecta e que faz com que abandonemos um trabalho que pode ser para a vida e que abracemos uma vida absolutamente instável.
Mas... sem arrependimentos e sem rancor. Aqui, descobri a minha verdadeira paixão. Aprendi tudo o que sei sobre livros, autores, editoras, chancelas e distribuidoras. Foi o início de uma jornada que ainda continua activa.
Mas... sem arrependimentos e sem rancor. Aqui, descobri a minha verdadeira paixão. Aprendi tudo o que sei sobre livros, autores, editoras, chancelas e distribuidoras. Foi o início de uma jornada que ainda continua activa.
Trabalhar nos bastidores
Após vários anos de trabalho incerto e de muita luta a tentar trabalho no ramo editorial, finalmente consegui um trabalho como auxiliar de armazém numa editora. Era o trabalho que procurava? Não. Era trabalho para uma vida? Não. Então o que era? Era uma óptima oportunidade para entrar numa editora e estruturar de alguma forma um percurso profissional neste tipo de instituição. Trabalho árduo. Estamos a falar num armazém, onde se processam encomendas e devoluções de livros. Trabalho pesado, normalmente feito por homens. Pouco estimulante intelectualmente. Doloroso, muito doloroso.
Viver as coisas a partir dos bastidores é extremamente interessante. O facto de termos acesso a livros que ainda mais ninguém viu, poder acompanhar de alguma forma os processos de criação e de edição dos livros é heartwarming. Por outro lado, ver o estado em que os livros chegam quando não são vendidos em grandes superfícies comerciais, dói no coração.
Como livreiros já sabemos muita coisa que o comum leitor desconhece. Quando trabalhamos a partir de dentro, ganhamos noção de ainda mais coisas que nunca vos passarão pela cabeça.
Por ser um trabalho muito físico, pouco interactivo e até um pouco solitário, foi aqui que comecei a ouvir audiobooks. A minha maior companhia ao longo de 8h de trabalho diárias era o Harry Potter.
Mais uma vez, aprendi imenso, conheci pessoas maravilhosas e conheci-me mais um bocadinho a mim mesma. Tinha sede de aprender outro tipo de coisas, dar mais de mim intelectualmente mas infelizmente não havia qualquer outra oportunidade na editora e, por questões de saúde, não consegui continuar a fazer o trabalho que estava a fazer.
Por ser um trabalho muito físico, pouco interactivo e até um pouco solitário, foi aqui que comecei a ouvir audiobooks. A minha maior companhia ao longo de 8h de trabalho diárias era o Harry Potter.
Mais uma vez, aprendi imenso, conheci pessoas maravilhosas e conheci-me mais um bocadinho a mim mesma. Tinha sede de aprender outro tipo de coisas, dar mais de mim intelectualmente mas infelizmente não havia qualquer outra oportunidade na editora e, por questões de saúde, não consegui continuar a fazer o trabalho que estava a fazer.
A Feira do Livro
A minha derradeira experiência, como saberão, foi na Feira do Livro de Lisboa. Adoro livros, adoro trabalhar com livros. Adoro ler e os livros são a minha vida, para o bem e para o mal. Por isso, não tenho medo de abraçar novos desafios e experimentar todas as vertentes de trabalhar com estes objectos prestigiantes.
Assim, este ano aventurei-me na Feira. Foi uma boa experiência, com os seus altos e baixos. A Feira, este ano, foi completamente atípica em todos os sentidos. Mas é sempre bom lidar com várias pessoas diferentes - velhos, novos, estudantes, doutores, estrangeiros e portugueses. Acaba por ser muito diferente do trabalho em livraria.
Muita chuva + muito frio = pouco movimento.
Não posso dizer que gostei mais de estar na Feira como trabalhadora do que como visitante. Estaria a mentir. Não. Gostei muito de trabalhar na Feira mas claro que poder absorver a Feira como uma experiência onde se compram livros, se estudam as oportunidades diárias (ou semanais), onde se conhecem pessoas e se partilham experiências, é completamente diferente. Quando saímos do trabalho só temos vontade de ir para casa, tomar um banho quente e relaxar. De qualquer forma, resta-nos muito pouco tempo para passear e ver a Feira na plenitude. Portanto, muito se perde desta experiência única no ano quando se está lá a trabalhar.
O blog e o futuro
Não posso prever o futuro, nem dizer se irei voltar a trabalhar com livros ou não, embora essa seja a minha maior vontade.
Enquanto isso, continuarei a criar conteúdos relacionados com livros aqui neste cantinho. Foi para isso que criei o blog - para poder trabalhar com livros da forma que me é possível.
Melhores fotos no Instagram, alguns vlogs e outros vídeos com a criação do canal Youtube fazem parte de alguns dos projectos que tenho para aperfeiçoar o blog este ano. É um trabalho que gosto muito de fazer e que me tem trazido imensa concretização e felicidade. Como qualquer trabalho que faça com livros, é extremamente gratificante.
Basicamente é isto que vos posso contar sobre a minha experiência a trabalhar com livros. Nem sempre é fácil, há diversos factores que podem influenciar o trabalho e a disposição (principalmente quando lidamos com o público) mas, no geral, é o melhor trabalho que há. As vantagens de se trabalhar com a fonte do conhecimento são muito superiores aos percalços encontrados pelo caminho.
Para aqueles que não sabem, sou arqueóloga de formação e, para mim, o melhor de ser arqueóloga, é não o ser. Graças à falta de trabalho nesta área, pude descobrir-me (e descobrir a minha verdadeira vocação) nos livros.
Obrigada por fazerem com que este «trabalho» seja possível. Boas leituras!
Muito interessante :) nunca trabalhei com livros; cheguei a ir a uma entrevista de emprego para uma livraria histórica em Lisboa, para um cargo que pedia mesmo a minha formação académica (que não é em literatura), mas não se deu. Atender público, em particular, não me chama... deve ser muito interessante esse tipo de experiência.
ResponderEliminarOlá Bárbara :) Atender o público é muito interessante em todas as vertentes da palavra. Para as pessoas de ciências sociais, como eu, todos os dias observas comportamentos dignos de teses de mestrado. É bom e é mau. É gratificante e desgastante. Mas quando estás a trabalhar com livros e gostas realmente de estar entre livros, enfias o nariz no meio da estante (figurativamente) assim que a pessoa abandona o espaço e lembras-te porque estás ali e que ainda há coisas boas no mundo e para viver naquele espaço... pelo menos até chegares ao teu limite :)
EliminarTambém sou de ciências sociais, mas não fui feita para atender ao público - houve aliás uma vez em que, após testes psicotécnicos, fui dada como inapta para tal :D mesmo quando tive de prestar atendimento telefónico em situações profissionais (nunca em call center, atenção, mas telefonemas pontuais), foi horrível... acho que o meu limite seria muito curto, mesmo com livros :)
EliminarAhahah eu, como pessoa extremamente introvertida que sou, tive algumas dificuldades mas quando há necessidade, todas as dificuldades são (e têm mesmo que ser!) ultrapassadas :) Cresci muito como pessoa ao ser obrigada a conviver com várias pessoas diferentes e a ter que me «abrir» com elas. Foi uma parte extremamente importante do meu desenvolvimento pessoal. Ao início toda eu tremia e achava que ia morrer ali de ansiedade xD
EliminarBem... Adorei este post... e digo-te... descobri mais coisas em comum contigo! Durante um bom tempo eu desejei ser Arquóloga!!! Isso ou Psiquiatra. Acabei por não seguir nada disso por achar na altura que não teria grande futuro. Por outro lado, ainda hoje, adoraria trabalhar numa biblioteca. Sempre me pareceu um trabalho de sonho. Poder ter todos os livros da biblioteca ao meu alcance, ao mesmo tempo que ganhava o ordenadito para viver... E o teu post evidencia bem como nenhum trabalho é um "mar de rosas", mesmo sendo aquele que desejávamos! Espero que continues sempre este "trabalho" e acredito que o Universo te trará as oportunidades certas ;)
ResponderEliminarBeijinhos
nohabitatdeumaintrovertida.blogs.sapo.pt
Oh <3 Obrigada! Infelizmente nunca tive oportunidade de trabalhar numa biblioteca, muito embora tenha concorrido a concursos para tal (concursos públicos, que são uma verdadeira palhaçada!). Acho que ia ser completamente a minha praia (e não será a de qualquer introvertido, com o nariz no meio dos livros? :)). Não, nenhum trabalho é um mar de rosas mas o importante é que estabeleças para ti própria até que ponto vais deixar que os espinhos te piquem e façam sangrar :) Vivemos um dia de cada vez e esperamos sempre que o futuro nos traga algo melhor :)
EliminarObrigada pela tua passagem e pelas tuas palavras. Um grande beijinho ^^